segunda-feira, 4 de abril de 2011

A fluidez dos acontecimentos...

“Para os que entram nos mesmos rios, correm outras e novas águas”
“Este mundo (...) foi sempre, é e será sempre um fogo eternamente vivo, que se acende com medida e se apaga com medida”
“A oposição produz a concórdia. Da discórdia surge a mais bela harmonia”
Heráclito de Éfeso
Fragmento de A Escola de Atenas, com foco em Heráclito, de Rafael (1509-1510)


Não raro, todos nós passamos por situações complicadas em nossas vidas. Há determinados momentos em que boa parte daquilo que damos como certo se transmuta em algo errado. Assim, temos a aparência de que, para os problemas que faceamos, não existe nenhum tipo de solução. Crendo nessa ideia, comumente muitos se desesperam; outros acabam complicando, por meio de entradas em vias tortas, ainda mais suas dificuldades; outras pessoas acabam fatalmente entrando em depressão... Raras são aquelas que conseguem facear grandes problemas com grande serenidade e paciência. Por que isso, se afinal, de uma forma ou de outra, o mundo concorre de uma forma muito interessante para a resolução das coisas? Por que isso, se temos uma certa consciência de que sempre há problemas em nossa vida e de que, de um modo ou de outro, suas soluções sempre vêm, ainda que nem sempre de acordo, estritamente, com aquilo que queríamos?

Creio não ser a única a notar que as coisas fluem, que elas passam, mesmo que ainda incorra no erro clássico de queimar neurônios à toa com alguns problemas que me visitam. O fato é que essa ideia da fluidez dos elementos no mundo dos fenômenos é algo não muito novo... Talvez por isso eu me sinta tão mal quando perco alguns minutos surtando com algum problema.

Heráclito de Éfeso, considerado por muitos como o pai da dialética, foi um filósofo grego que viveu entre aproximadamente 570 e 470 a.C. Participante do contexto da filosofia que surgiu antes de Sócrates, o filósofo que via no fogo o elemento essencial do mundo notou algo que hoje em dia muitos de nós percebemos e achamos até comum: a fluidez das coisas.

Diferente de muitos que haviam percebido tal dado da realidade, Heráclito problematizou essa questão da mutabilidade das coisas de uma forma inédita. Partindo de uma ideia diferente daquelas levantadas por seus "colegas" pré-socráticos, Heráclito afirmava que tudo era movimento e que nada podia permanecer estático. Está aí formulado o famoso Panta Rei heraclitiano como princípio das coisas.

Na perspectiva desse filósofo considerado por muitos como “obscuro”, como ponto de partida no mundo existe o devir, a mudança, algo que se manifesta em todos os elementos do fenômeno, sendo visto como uma alternância entre contrários. Assim, tudo no mundo estaria em constante mudança: os entes passariam de um estado a outro constantemente, apresentando a manifestação da guerra entre os opostos, uma guerra que traduziria a realidade de tudo aquilo que podemos dizer que é ou que se manifesta em nosso mundo.

Panta rei os potamós (do grego πάντα ῥεῖ ), traduzido como "tudo flui como um rio", é o célebre aforismo cuja tradição filosófica subsequente identificou sinteticamente como o pensamento de Heráclito e como o tema do Devir. Nessa perspectiva, tudo é considerado como um grande fluxo perene, no qual nada permanece o mesmo, pois tudo se transforma e está em contínua mutação. Assim, o Ser se identifica com o Devir e suas transformações no tempo.

Heráclito sustenta que só a mudança e o movimento são reais, e que a identidade das coisas iguais a si mesmas é ilusória; dessa forma, tudo flui (panta rei). E o panta rei, nessa perspectiva, é uma consequência de polemos (guerra, conflito), que reina sobre tudo.

Pensando nas reflexões de Heráclito e trazendo um pouco dessa filosofia para o mundo prático, acredito que é importante pensar um pouco nessas ideias e lembrar que, por mais que sejam antigas e que até mesmo tenham sido solapadas por outros princípios, essas concepções têm ainda algo a nos dizer. Afinal de contas, é falsa a ideia de que os acontecimentos em nosso mundo estão inseridos em um constante Devir? O que podemos taxar como imutável na nossa vida? Não que eu não acredite que não exista algo que realmente permanece nesse mundo, até porque não sou tão cética assim, mas é inegável, diante daquilo que vemos, a força da mudança das coisas. Assim sendo, posso dizer que acredito que a vida tem muito dessa constante batalha que nos deixa face a face com determinados entes extremamente volúveis e mutáveis. A questão é: como encarar isso? Como encarar a mudança daquilo que pensamos ser perene? Para questões desse cunho, acho que a filosofia de Heráclito é capaz de nos dar uma chave. É a única chave? (poderiam me perguntar). Creio certamente que não, mas é uma chave interessante que pode nos ajudar a facear essas mudanças de um modo mais amplo.

Arthur Schopenhauer, um filósofo alemão criador de alguns aforismos muito interessantes, diz que o sofrimento é regra nesse mundo. Ele fala que nossos momentos de felicidade são mínimos, diante da infinidade de problemas que temos. Não sei se creio completamente no que ele diz. Acho que felicidade no sentido utópico do termo não existe. Talvez esse vocábulo, com essa acepção, devesse até ser, por que não, revisto. A questão é que concordo com ele quando diz que as situações são mutáveis e que muitas vezes a impressão que se tem é de que o mundo é muito mais sofrido do que qualquer outra coisa. O fato é que uma hora você está lá em cima, voando alto. Entretanto, outra hora (e às vezes com uma frequência maior), é necessário fazer uma pausa (pois a vida muitas vezes nos obriga a isso), e aí as coisas deixam de ser tão fantásticas como eram.

Assistindo a um episódio de um seriado, fiquei pensando na frase de uma personagem: “não há um pássaro que mesmo voando muito alto não tenha necessidade de descer um pouco em um determinado momento”. Creio que esse pensamento tem muito a dizer...

Como salientam inúmeros pensadores, inclusive os dois que eu já citei, é necessário conhecer os elementos negativos para apreciar os positivos. Normalmente, só damos valor às coisas boas, se tivermos as ruins como companheiras em algum instante. Só percebemos a validade de algo, se não a temos por perto. E isso é bom... Essa guerra entre contrários pode nos levar a sínteses interessantes – basta apenas estarmos atentos para apreendê-las.

Como já foi dito, há momentos em que as coisas deixam de ser tão fantásticas como eram. E esse não deixa de ser um movimento natural no nosso mundo. Em tudo há a possibilidade de isso ocorrer: no trabalho, na vida pessoal, na vida acadêmica, com nossas crenças, com nossos sentimentos. A questão é encarar as mudanças com naturalidade e procurar meios para internalizá-las do melhor modo possível. A paciência e a tal da serenidade já mencionadas podem ser essenciais para facear esses processos tão caros à nossa própria mudança pessoal. Afinal, querendo ou não as coisas não deixarão de mudar só porque assim o queremos. O caminho, então, é aprender a lidar com a louca dinâmica do nosso mundo fenomênico. Se a fluidez surge como regra, nossa capacidade de entender isso precisa estar (mais) desperta, para que não soframos tanto. Se soubermos lidar com os movimentos da vida, o Panta Rei pode nos ensinar muito. Os conflitos podem engendrar grandes crescimentos; basta que tenhamos um pouco de sabedoria diante dos acontecimentos para enxergar um pouco além.

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