sábado, 23 de outubro de 2010

Folha ferida pelo vento


“Stay or leave
I want you not to go
But you should
It was good as good...goes
Stay or leave
I want you not to go
But you did”...
Dave Matthews




Desfalece com esperança de regeneração...
Fazia frio em ti, quando aquecida fora por longínquos ventos boreais.
Fazia frio em nós, quando caíste e levantada foste por rajadas de brisas outonais.

Folhas outonais, bordos sazonais
Que sangram ao pôr-do-sol.
Ecos de vozes rugem ao longe: caia, verde folha ferida pelo vento.

Foste fraca, quando tudo apenas parecia,
E não resististe... Suspiros juvenis em ti ansiavam por experiência.
Caíste, estranhamente, ascendendo-te.
Entanto, tu sabes: jovens suspiros não permanecem... Fluem simplesmente.

Brisas transmudam-se e tornados são, em pouco.
Folhas, então, caem e choram por ti.
Voltas e indagas: devo a ti reparação?
- Assumes a culpa que lhe pertence e recomeças... apenas...

Ventos sazonais se foram: são os extremos para ti.
A um só tempo, eis o inverno, eis o verão.
Folha ferida, outrora sacudida pelo vento, arde pelo frio,
E é levada por ventos gelados que de muito longe vêm...
Gelados, mas em brasa...

Aquecem-te e, ao nada, por nada, abraçam...
Sonham sonhos de ver sóis e estrelas, sem ventos, sem auroras.

Contudo, os brados ventos cessam; só a brisa bate à sua porta:
Eis uma dama descrente que senta e lhe faz companhia...
Sábia, mostra-lhe que perto e ao mesmo tempo tão longe ventos vãos são...

Por quanto tempo tu terás de ver lá fora bordos transmudarem?

São tantas folhas outonais e bordos sazonais
Que se regozijam ao pôr-do-sol...

Ecos tímidos sussuram ao longe: caia, folha outonal ferida pelo vento,
Esqueça e, simplesmente, renasça.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Reflexões sobre uma dama louca -- Breves Considerações sobre O Elogio da Loucura, de Erasmo de Roterdã.


No final do século XV, Erasmo de Roterdã dedicou um peculiar livro a Thomas More. Nessa obra, Erasmo dava voz à Loucura e a deixava manifestar a sua visão acerca de outros tempos e, sobretudo, daquela época: os anos finais de 1400.
Uma pergunta que podemos nos fazer, diante de uma possível reflexão sobre esse interessante livro, O Elogio da Loucura, é: a discussão sobre a Loucura ainda se faz necessária?  Na verdade, o que ela nos traz? O que Erasmo colocou em sua obra ainda nos diz respeito? Ainda temos a Loucura no mundo?
O mundo em que nós vivemos se caracteriza por um constante e perene devir. O Panta-Rei preconizado por Heráclito de Éfeso nunca foi tão forte e presente como ocorre nos dias de hoje. O que aconteceu há um mês e que tinha importância fundamental para um contingente é suplantado diante do que ocorre nesse instante; e isso que ocorre agora amanhã não será mais lembrado e comentado – será apenas fato passado. A sociedade da informação transmuta-se, essencial e paradoxalmente, em sociedade do esquecimento, sociedade da alienação.
Nos dias de hoje, há a necessidade de se estar atento ao que acontece para que não fiquemos alienados; há a necessidade de estar sempre informado e atualizado, a fim de que não sejamos enterrados vivos. A racionalidade, a instrumentação, o conhecimento, os métodos, as técnicas, todos esses elementos e tantos outros se tornam entes extremamente necessários para a sobrevivência na sociedade da informação. O interessante é que, não obstante o conhecimento das coisas atuais seja desejado e buscado como algo fundamental, temos o fato de que, logo depois que uma determinada informação se fixa, algo maior vem e, automática, infinda e paradoxalmente, suplanta devagar aquilo que foi criado, como uma espécie de jogo cruel e iconoclasta de novidades ou, ainda, de reciclagem de ideias e notícias. Nesse sentido, é quase retórico perguntar onde entra a Loucura numa sociedade como esta. É loucura perguntar se realmente numa sociedade como a que nós vivemos o Irracional se manifesta. O fato é que no século XXI a Loucura é um princípio fundamental do mundo. Contudo, como nada é absoluto (sempre estamos às voltas com os paradoxos), é interessante perguntar quais são as faces da Loucura nos dias em que vivemos.
Viver em um constante devir, viver em uma constante transmutação, transformação e transvaloração faz-nos, de certo modo, estar diante de muitas das facetas da Loucura. A nossa era, assim como inúmeros períodos da história do mundo, é também a era da Loucura. Seja implícita ou explicitamente, ela se manifesta o tempo todo nas mudanças a que assistimos durante todos os segundos de nossas existências. Ela grita em todos os momentos em que tudo se desfaz como fumaça no ar, virando apenas rastro gris do passado. Ela se mostra em cada rosto ou objeto que vemos e que, sobretudo, passa; e mesmo naquele que permanece, ali ela está. Diante disso, se ela é uma realidade de nosso tempo, é pertinente a questão sobre o modo como a encaramos. Afinal, nós a deixamos participar de nossas vidas como epifania ou como engessamento de conceitos? Dedicamos nosso olhar a ela para tentar aprender algo ou simplesmente damos a ela um significado pequeno diante dos acontecimentos que nos cercam?
A rapidez com que esquecemos um crime hediondo e damos atenção ao último capítulo de uma novela pode ser encarada como loucura. A forma como damos valor ao último lançamento da Apple e viramos o rosto para não ver a criança que passa fome ao nosso lado ou mesmo o modo como nos dedicamos aos nossos amigos virtuais do Facebook, do Orkut ou do Twitter, esquecendo-nos daquele amigo real que precisa de um abraço e uma palavra de apoio é, de fato, loucura. Da mesma forma, o momento em que jogamos nossos afazeres para o ar e nos dedicamos a algo que realmente amamos ou o instante em que nos damos conta da rapidez espetacular com que nos inteiramos dos acontecimentos do mundo ou nos cercamos do conhecimento, todos esses movimentos e tantos outros nos fazem pensar no belo fruto de Plutão e da Juventude. A Loucura está, meus caros, indelevelmente, em tudo (e em variados sentidos). A questão complicada é trazer a faceta exposta por Erasmo à nossa sociedade de modo mais intenso e significativo.
A Loucura que aparece na obra de Erasmo de Roterdã precisa estar presente em nossos dias de modo a nos permitir a ser mais criativos, mais sonhadores, mais iconoclastas. Precisamos ser menos tensos com o mundo.
Revestimos-nos dessa aura de que precisamos ser os melhores, de que temos necessidade de todo o conhecimento possível e até tentamos adquirir tudo aquilo que supostamente pensamos precisar, contudo nos esquecemos de que tais aspectos levados tão a sério nos transformam em uma espécie de loucos de que deveríamos querer distância. O homem do século XXI deveria brincar um pouco mais com a Loucura que traz leveza: aquela que nos apresenta a criatividade; aquela que nos põe diante da Liberdade. É essa a Loucura que Erasmo tenta nos apresentar, e ela não está longe do conhecimento. Ela não está longe das inovações. Nessa perspectiva, de nenhum modo ela estaria longe de nossa sociedade da informação ou daquilo que gostaríamos que esta fosse. Essa Loucura que precisamos conhecer melhor anda de mãos dadas e toma um belo café com todos os elementos que a nossa sociedade fria e esquecida necessita resgatar.
O homem precisa chamar para si a Loucura que nos faz mais humanos. Para o nosso crescimento, precisamos resgatar essa dama que também estava perdida para tantos outros povos. Precisamos nos sentar e conversar com Dionísio e Baco mais frequentemente, e nem por isso precisamos expulsar Atenas e Apolo de nosso convívio. O equilíbrio louco é o elemento de que precisamos para crescer de modo mais integral. É preciso chamar o absurdo apolíneo, a racionalidade dionisíaca para nossas vidas e, sobretudo, tentar abraçar a madame Loucura como se fosse uma mãe que muito nos tem a ensinar. Basta que saibamos perceber que ver o lado positivo da loucura pode, sim, nos descortinar coisas sensivelmente importantes.
É necessário ir além dos conceitos e trazer o que está encoberto por nossos tolos preconceitos...