domingo, 27 de fevereiro de 2011

Algumas reflexões sobre Literatura

 
Há um certo tempo, venho travando uma batalha no sentido de pensar um pouco mais sobre a literatura vinculada a um estudo interdisciplinar mais estruturado. Corrigindo, eu vinha tentando pensar mais na questão da literatura vinculada à filosofia. E o que eu percebi ao longo do tempo é que há um pouco de preguiça de parte do meio acadêmico de pensar muitas vezes outside the box.
O que fica debaixo do tapete, muito mal escondido, diga-se de passagem, é que é mais fácil para a maioria trilhar caminhos que muitos já conhecem do que fazer leituras diferentes – isto é, mais profundas e complexas. Assim, não raro você acaba tendo ingratas surpresas, porque não consegue fazer certos dinossauros moverem a cabeça a fim de tentar descortinar outros horizontes. Se é preguiça, vontade de manter-se sempre no mesmo lugar, autopreservação ou se é para evitar a fadiga mesmo, como nos diz o saudoso personagem de Chaves, o carteiro Jaiminho, eu não vou saber por agora. A questão é que acho importante que não nos prendamos a uma única forma de ver o mundo. As correntes em crítica e teoria literária podem ter um papel bastante salutar na vida dos pesquisadores. Contudo, se nos prendermos demais a elas, com certeza nos fecharemos e nos veremos aprisionados e, em última instância, teremos a nossa capacidade de pensar bastante reduzida.
Qual é o problema de ter a mente um pouco mais aberta? Eu profundamente não sei. E se alguém puder me dar uma resposta plausível e bem fundamentada que me mostre que ter a cabeça fechada é salutar, eu prometo tentar mudar de ideia.
Há um poeta brasileiro fantástico que fica à margem de muitas discussões no âmbito literário. Seu nome é Augusto dos Anjos. Em determinados meios, tacham-no de difícil, meio louco, problemático... Por acharem complicado lidar com aquilo que julgam ser uma poética científica, deixam-no de escanteio. O que eu acho disso? Equivocado.
Apesar de haver muita gente boa no âmbito da crítica literária apontando certos caracteres que vão além da forma e dos vocábulos cientificistas na poesia de Augusto dos Anjos, muitos ainda preferem o velho estudo estruturalista que mata a interpretação e dizima qualquer vontade maior de pesquisa, tudo isso tão-somente para que não se mexa com estudos de maior complexidade ou com coisas novas.
Falando em estruturalismo, em A literatura em perigo, Tzvetan Todorov, grande teórico da literatura, o pai dos estudos estruturalistas, teve de chamar atenção de seus discípulos que, de certa forma, acabaram por reduzir a literatura a interpretações sem alma.
Em seu livro de 2009, Todorov chama atenção para um problema que faceamos hoje: a questão da apreciação da literatura e da sua redução, fruto da dinâmica presente nas escolas e também nas universidades. O ponto fulcral nessa problemática não é a obra. Não é a linguagem científica, os neologismos, as inversões ou qualquer outro elemento presente em diversas obras que dificultam o acesso do público e mesmo a vontade da pesquisa independente da literatura nos dias de hoje. Não é a complexidade do objeto literário moderno, como muitos poderiam supor, mas sim a forma como os acadêmicos ditam o que deve ser feito com uma dada obra literária.
Nesse livro de Todorov, o teórico admite que a literatura está em perigo devido à forma simplificadora e castradora que o ensino de literatura vem sendo conduzido, tanto nas universidades quanto nas escolas em nossos dias. Em outras palavras, as críticas e censuras de Tzvetan Todorov são voltadas, sobretudo, aos professores, às universidades, aos acadêmicos e às escolas que preferem ensinar métodos literários arcaicos ao invés de focarem seus esforços em ajudar o estudante e, de certo modo, as pessoas em geral a construírem uma reflexão mais genuína sobre as obras literárias.
Na verdade, observa-se em A literatura em perigo um juízo claro quanto às análises metodológicas que se centram somente no texto, esquecendo-se da ligação que uma dada obra pode ter com outras áreas do conhecimento e, sobretudo, com a vida de quem toma contato com a obra. De fato, sabe-se que a literatura mostra-se auto-referente em inúmeros momentos, mas é necessário frisar que mais do que isso ela está de um modo muito particular ligada também à existência dos sujeitos e, por essa razão, possui um significado que vai além do que as correntes teóricas e críticas usadas à exaustão podem alcançar.
É fato que, ao longo dos anos 70 em diante, o Estruturalismo e as correntes formalistas acabaram se impondo como modelo dominante na interpretação literária dentro das instituições de ensino. Você que fale de uma poesia e se esqueça de falar de suas sílabas e de seus versos para ver o que acontece... Brincadeiras à parte, creio mesmo que é importante assinalar que muito daquilo que os professores ensinam e propagam hoje nas universidades e escolas apenas distanciam os alunos de uma significação real das obras e do diálogo com o mundo no qual eles vivem. Como diz Todorov, “na escola, não aprendemos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos”.
A literatura, realmente, está em perigo porque, dentro dos ambientes em que ela deveria ser vista de uma forma mais significativa, ela é, simplesmente, reduzida a comentários muitas vezes obscuros e sem significação para a grande maioria dos alunos. O perigo iminente, na verdade, é o de a literatura tornar-se apenas um reduto para discussões de teorias que muitas vezes não possuem o menor significado para aqueles que com elas entram em contato. Na verdade, o que é importante nesse contexto é que os professores fiquem cientes de que é necessário mostrar algo mais significativo para os alunos nas escolas e nas universidades. A disciplina de literatura não deve se tornar apenas um meio para que teorias e correntes críticas sejam levadas ao conhecimento dos alunos. Mais do que isso, a literatura dentro das instituições de ensino deve ser algo que os faça refletir além do universo acadêmico e escolar. Se é admitido um parentesco da arte com a vida, por que negar tal postulado entre os muros das instituições? Por que negar aos alunos e às pessoas a chance de ver o objeto estético por meio de vieses mais amplos e significativos?
Eu não faço aqui apologia ao fim do estudo com base na crítica e na teoria. Quem me conhece sabe bem que o meu foco sempre foi o estudo dessas questões mais teóricas.  O problema é que há a necessidade de observar até que ponto a teoria demasiada (sobretudo as teorias canônicas) mata a observação do fenômeno literário.
Acredito que, além do subsídio crítico e teórico, para se conhecer uma obra é fundamental o contato com seu significado primordial e bruto. O contato com o objeto em si para produzir a reflexão é algo que não pode ser dispensado. É necessária uma reflexão que ultrapasse os limites propostos pelas metodologias presentes nas escolas e faculdades, para que, assim, a literatura passe a apresentar um significado real para aqueles que com ela entram em contato. Por isso, é fundamental que muitos setores da educação abram um pouco a cabecinha e pensem de modo mais lato. As discussões podem se dar no âmbito das antigas propostas teóricas? Com toda a certeza. Até porque temos muito a aprender com eles, contudo há a necessidade de não se fechar para outras abordagens. Isto é, quando seu aluno ou um amigo quiser encarar aquela obra de Graciliano Ramos ou aquele poema de Manuel Bandeira sob a égide da filosofia do complicado Heidegger ou de qualquer outro que seja, não frustre o coitado do estudante dizendo que ele está louco e que você não irá permitir tal fato pois não tem tempo de ler nada desse ou daquele autor. Em casos assim, pare e analise a questão. Saia um pouco de sua zona de conforto e se dê a oportunidade de conhecer outras coisas... É nesse sentido que certas correntes devem ser arrebentadas para que novos modos de olhar para o objeto literário surjam... As correntes críticas e teorias devem apenas ser usadas como refúgios epistemológicos, e não como colônias penais como vem acontecendo não raro em vários redutos por aí. É sério, caros amigos amantes das Letras e futuros propagadores da mesma, pensem nisso com carinho... O mundo é vasto... e as abordagens para encará-lo também.



P.S.: faço essa crítica aqui, mas devo fazer um senhor adendo quanto a alguns professores que muito me ensinaram na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás e no Mestrado em Estudos Literários, na Universidade Federal do Paraná. À Goiandira, com quem aprendi muito na área de Teoria; ao professor Manoel, que aceitava as minhas argumentações com base em Heidegger e Kierkegaard – que o diga a prova famosa em que tirei nota máxima, na qual eu dissertei sobre Guimarães Rosa e Clarice Lispector com base nos dois filósofos supracitados –; à professora Regina Crispin, que deu a chance ao grupo do bacharelado de apresentar um seminário grandioso sobre Drummond com base em nosso feeling; à professora de Literatura Comparada, Suzana, que nos deu a chance de conhecer obras e autores ímpares por meio de abordagens únicas; ao professor Rogério que me deu a chance de estudar e apostar nos estudos literários de cunho filosófico, sobretudo ao me dar dicas sobre Fernando Pessoa; aos professores Paulo Soethe, Marta Costa e Marilene Weinhardt (todos do mestrado na UFPR), eu só tenho a agradecer, pois eles, mesmo tendo suas correntes preferenciais, se mostraram muito receptivos quando pude expor as minhas próprias ideias. Nesse sentido fica a dica: precisamos encontrar aqueles que sabem usar da melhor forma as correntes. Há certos professores que até te prendem, mas o interessante é que, ao nos encarcerar epistemologicamente no mundo das grandes visões, eles paradoxalmente te libertam de sensíveis prisões. A essas figuras do conhecimento literário brasileiro, todo o meu carinho e admiração – sempre. Espero que meus amigos que estão no caminho acadêmico lembrem-se deles.



3 comentários:

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  2. Nesses últimos dias tive de montar um documento para conseguir ser dispensada de algumas matérias na Faculdade de Direito... Ai, que aperto no coração quando eu vi as ementas das matérias de Teoria, Literatura Comparada, Literatura Brasileira e outras.
    A gente teve muita sorte na UFG... Aqueles professores foram fantásticos, por isso o saudosismo é mais que merecido. =)

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