domingo, 16 de outubro de 2011

Imperfeito...


Às vezes, paras e olhas o mundo e o todo ao redor... e seu desejo é de que tudo não estivesse ali.
Há pressões por todos os lados, e a sensação é de pequenez diante da imensidão.
Pensas em ficar. Em seguida, refletes e desejas se recolher tão somente à sua pequenez.  Depois, pensas em ir adiante, fazendo planos de mudar o mundo, mas o muito que podes fazer é mudar uma ínfima parte de ti... o que é sempre perigoso e dificultoso, dizem alguns....
O mundo não desvanece diante de ti quando desejas.
As coisas não voltam para um plano-ponto perfeito no tempo-espaço além (muito além) do aqui...
Aquele que foi, aquilo que foi, tudo passado, tudo que gostarias, mas não sabes, tudo não volta.
O mundo, um belo palco estranho, marca tua face e teu corpo o tempo todo... Piores são as indeléveis marcas em tua alma e coração. E em vez de estar acostumada, depois de tantos deslizes, tombos e caminhos errados, ainda deixas que aquela lágrima teimosa, impávida e tão orgulhosa tombe devagar com outros fiéis seguidores... Todos transeuntes escuros e perdidos em seu rosto inerte...
Pensas em tantas coisas... A muitos, parece (até) fazer algo... Mas sentes o vazio do mundo na alma e no coração...
Sentas e deténs a si mesma, somente para escutar a melodia do mundo... Mas a desarmonia fere teus ouvidos...
Vês o mundo lá fora, e todo ele, estranho e roto, fere tuas pupilas dilatadas, pobres meninas apaixonadas por coisas que aqui não existem...
Abres o mapa terrível, e lá escrito está que tu estás tão além deste mundo, terra insana... Nietzsche falaria em montanhas, e tu pensas tão somente em abismos...
Como ser em um mundo hermético como o que vives?
Como respeitar a natureza de peixe afeito à liberdade preso em um grande aquário... Presa da racionalidade idealizada, conjunção de uma noite de dezembro, chuvosa.
Tenha sido uma noite feliz, desejas... Tenha sido uma noite de amor-amor...
Tenha sido um dia feliz, com o sol a raiar ao longe, enchendo o cálice da frieza do mundo...

Que dia é este?, perguntas...
Que época é esta...?
E brota o 16 de outubro...
Disseste há pouco que seria um tempo de mudança... Que tempo é este?
Que mundo é este?


domingo, 2 de outubro de 2011

Manuel Bandeira :: Paisagem Noturna

Paisagem Noturna


A sombra imensa, a noite infinita enche o vale . . .
E lá do fundo vem a voz
Humilde e lamentosa
Dos pássaros da treva. Em nós,
— Em noss'alma criminosa,
O pavor se insinua . . .
Um carneiro bale.
Ouvem-se pios funerais.
Um como grande e doloroso arquejo
Corta a amplidão que a amplidão continua . . .
E cadentes, metálicos, pontuais,
Os tanoeiros do brejo,
— Os vigias da noite silenciosa,
Malham nos aguaçais.

Pouco a pouco, porém, a muralha de treva
Vai perdendo a espessura, e em breve se adelgaça
Como um diáfano crepe, atrás do qual se eleva
A sombria massa
Das serranias.

O plenilúnio via romper . . . Já da penumbra
Lentamente reslumbra
A paisagem de grandes árvores dormentes.
E cambiantes sutis, tonalidades fugidias,
Tintas deliqüescentes
Mancham para o levante as nuvens langorosas.

Enfim, cheia, serena, pura,
Como uma hóstia de luz erguida no horizonte,
Fazendo levantar a fronte
Dos poetas e das almas amorosas,
Dissipando o temor nas consciências medrosas
E frustrando a emboscada a espiar na noite escura,
— A Lua
Assoma à crista da montanha.
Em sua luz se banha
A solidão cheia de vozes que segredam . . .

Em voluptuoso espreguiçar de forma nua
As névoas enveredam
No vale. São como alvas, longas charpas
Suspensas no ar ao longe das escarpas.
Lembram os rebanhos de carneiros
Quando,
Fugindo ao sol a pino,
Buscam oitões, adros hospitaleiros
E lá quedam tranqüilos ruminando . . .
Assim a névoa azul paira sonhando . . .
As estrelas sorriem de escutar
As baladas atrozes
Dos sapos.

E o luar úmido . . . fino . . .
Amávico . . . tutelar . . .
Anima e transfigura a solidão cheia de vozes . . .

Manuel Bandeira