quarta-feira, 13 de julho de 2011

O imperativo penal e outras pequenas reflexões



Em um trabalho de final de semestre, o professor de Sociologia do 1.º período do curso de Direito, da UFG, Cleito Pereira, nos pediu para ler alguns textos e compará-los.
Havia vários textos, e a parte que realmente me interessou foi a que contemplava as reflexões de Nildo Viana, André de Medeiros e do fantástico Loïc Wacquant. Resolvi, depois de a nota ter saído, postar algumas de minhas impressões sobre algumas dessas leituras. A questão é que vejo delinear-se diante de mim o caminho complicadinho que eu quero dentro do Direito. Por essas e outras, posteriormente, com toda a certeza, irei me deter mais nessa relação entre a derrocada de prerrogativas humanistas e sua íntima relação com as crises políticas e econômicas.
Seguem aí algumas reflexões. O assunto é bem mais complexo do que o que se segue, mas acho importante que eu já comece a pensar nisso e a expor algumas coisas desde já.


Quando comparamos os textos de Nildo Viana, “Crise Financeira, Estado e Regulamentação Jurídica”, o de André A. A. de Medeiros, “Estado, Crise Econômica Mundial e a Centralidade do trabalho”, e os dois textos de Loïc Wacquant, “O Avanço do Neoliberalismo” e “Nota aos leitores brasileiros: rumo a uma ditadura sobre os pobres”, percebemos que todos eles tocam (de modos distintos) na questão da crise econômica e no esfacelamento do Welfare State (Estado de Bem-Estar Social). Na verdade, vê-se que há uma grande crise presente (possuidora, aliás, de várias ramificações que atingem várias áreas da sociedade) e, por isso, busca-se apresentar soluções que tentem superá-la de algum modo.
O texto de Nildo Viana, por exemplo, chama atenção para o fato de que a crise financeira que se espalhou por várias áreas é passível de inúmeras explicações: há a questão do aumento da taxa de juros para combater a inflação; a falta de Estado e, em outra ponta, o excesso deste; além disso, alude-se à questão de esta ser apenas mais uma fase dos ciclos econômicos do capitalismo. Contudo, é importante perceber que, para além das explicações apresentadas, há problemas conjunturais e estruturais atuando em uníssono. E, portanto, a solução deve ser pensada de um modo mais profundo. Para tanto, Viana fala que se deve pensar na questão do Direito a partir do desdobramento da evolução do Capitalismo. E nesse ponto podemos fazer uma ponte com algumas reflexões de André de Medeiros.
Em seu texto, Medeiros afirma que a crise econômica e financeira leva a efeitos políticos e sociais. Refletindo sobre o Estado, ele fala do paradoxo do Estado Mínimo, que age na condução da proteção social, e do Estado Forte, que está presente no mercado financeiro e de crédito. É inegável a premência com que o Direito Positivo deve repensar seus modelos e práticas intervencionistas, buscando um maior consenso civilizatório de convivência social, principalmente após o fortalecimento democrático da esfera pública.
Algo que nos faz refletir sobre os outros textos é a alusão ao choque entre os objetivos do Welfare State e os do capitalismo desregulado, algo que, segundo André de Medeiros, levou a uma articulação ambivalente e desigual entre o universalismo protetor, as formas crescentes de particularismo social e a crescente mercantilização da política social. Por conta dessa conjuntura, é mister pensar com maior cuidado nas proteções aos direitos, na questão trabalhista, bem como nos modelos e práticas intervencionistas. Fica patente que é fundamental refletir acerca da criação de um ordenamento jurídico que garanta realmente a segurança das pessoas e percebe-se a urgência que temos de um verdadeiro estado democrático, o qual, invariavelmente, precisa ter como objetivo a socialização da política e do poder.
Medeiros, como se percebe com a leitura de suas reflexões, fala com propriedade acerca do “Paradoxo do Estado Mínimo e Forte”, e quando este fala do último estado, podemos pensar, de imediato, nas ideias pertinentes de Loïc Wacquant.
Em Wacquant, conseguimos perceber que, com a derrocada das premissas de cunho humanista e solidário do Welfare State, temos hoje o Império de um Estado Penal. Como salienta Loïc Wacquant, no lugar de um cuidado maior com os direitos humanos, no lugar de uma maior reflexão e uma mudança prática em relação à questão dos direitos, como é proposto por Nildo Viana e André de Medeiros, temos agressivas práticas policiais e políticas adotadas de modo ostensivo, além da desregulação social e do trabalho precário. Ao invés de se pensar em direitos básicos, tem-se uma “obsessiva” busca por reafirmar o direito à segurança, o qual vem mascarando inúmeras questões.
Fala-se, em jornais, na televisão, na mídia, na rua, em todos os lugares, sobre a necessidade premente de encarcerar, mas não se discute sobre quem está sendo posto nas prisões. Não há reflexões sobre esse “imperativo penal”; até há, mas de modo reverso, para que ele seja cada vez mais solidificado no (in)consciente coletivo. Desse modo, estabelece-se, assim, um Estado Penal, que apresenta em seu bojo políticas afirmativas carcerárias, mas que se esquece, fundamentalmente, de cuidar das estruturas do Estado. Nesse sentido, não se tem mais a preocupação em cuidar da solidariedade e fazer frente aos efeitos prejudiciais advindos das questões econômicas, pois só se vê na prisão o remédio para os males da sociedade.
O recurso a esse tipo de situação, a esse Estado de Prisão, a esse Estado que não respeita o indivíduo aparece em todos esses textos. Há em todos eles a ideia de que é necessário fugir do modelo que temos diante de nós, desenvolvendo, assim, em um e em outro local, formas diferentes de lidar com as crises que faceamos no momento.
Finalizando com Wacquant e sua pertinente reflexão, o que podemos ver é que resolver essa situação se resume em escolha política. É necessário se opor a essa penalização da precariedade social e repensar as bases jurídicas que estamos construindo para nosso futuro. A penalidade neoliberal não consegue resolver as disparidades sociais existentes nos países em que ela é levada a cabo, como acontece no Brasil. Na verdade, ela agrava todos esses problemas e evidencia a questão do preconceito que se queria, por muitos, velado. Portanto, fica aí a crítica de Loïc Wacquant ao Brasil, quando afirma que este não construiu um Estado de Direito digno do nome. É esta, em suma, a recomendação presente em todos os outros textos lidos e que está presente em toda reflexão cujo bom senso é a pedra de toque: antes de achar que cadeia é solução para tudo, é necessário construir um verdadeiro Estado Social em nosso País e repensar as bases que erigem e validam nossos direitos
Há um longo caminho pela frente...

sábado, 2 de julho de 2011

Fragmentos da vidência do jovem Rimbaud...



O Relâmpago
 
O trabalho humano! eis a explosão que ilumina o meu abismo de tempos em tempos.
“Nada é vaidade; rumo à ciência, e avante!” clama o Eclesiastes moderno, ou seja Todo mundo. E contudo os cadáveres dos maus e dos ociosos caem sobre os corações dos outros... Ah! rápido, mais rápido; lá embaixo, além da noite, essas recompensas futuras, eternas... irão escapar-nos?...
– Eu, que posso fazer? Conheço o trabalho; e a ciência é muito lenta. Que a prece galopa e a luz atroa... Bem o vejo. É muito simples; e faz muito calor, passarão bem sem mim. Tenho o meu dever, dele me orgulharei como fazem muitos, pondo-o de lado.
Minha vida está gasta. Mas vamos! flanemos, fantasiemos, ó que lástima! E viveremos a nos divertir, a sonhar amores monstruosos e universos fantásticos, queixando-nos e criticando as aparências do mundo, saltimbanco, mendigo, artista, bandido, – padre! No meu leito de hospital, o odor do incenso retornou poderosamente; guardião dos aromas sagrados, confessor, mártir...
Nisso reconheço a minha infame educação de infância. Que fazer!... Viver meus vinte anos, se os outros também o fazem...
Não! Não! agora eu me revolto contra a morte! O trabalho parece leve demais para o meu orgulho: minha traição ao mundo seria uma tortura curta demais. No derradeiro momento, eu atacaria à direita, à esquerda...
Então, - oh! - pobre alma querida, a eternidade não estaria perdida para nós!

Arthur Rimbaud. Uma Estadia no Inferno (1873).