Há um certo tempo, venho travando uma batalha no sentido de pensar um pouco mais sobre a literatura vinculada a um estudo interdisciplinar mais estruturado. Corrigindo, eu vinha tentando pensar mais na questão da literatura vinculada à filosofia. E o que eu percebi ao longo do tempo é que há um pouco de preguiça de parte do meio acadêmico de pensar muitas vezes outside the box.
O que fica debaixo do tapete, muito mal escondido, diga-se de passagem, é que é mais fácil para a maioria trilhar caminhos que muitos já conhecem do que fazer leituras diferentes – isto é, mais profundas e complexas. Assim, não raro você acaba tendo ingratas surpresas, porque não consegue fazer certos dinossauros moverem a cabeça a fim de tentar descortinar outros horizontes. Se é preguiça, vontade de manter-se sempre no mesmo lugar, autopreservação ou se é para evitar a fadiga mesmo, como nos diz o saudoso personagem de Chaves, o carteiro Jaiminho, eu não vou saber por agora. A questão é que acho importante que não nos prendamos a uma única forma de ver o mundo. As correntes em crítica e teoria literária podem ter um papel bastante salutar na vida dos pesquisadores. Contudo, se nos prendermos demais a elas, com certeza nos fecharemos e nos veremos aprisionados e, em última instância, teremos a nossa capacidade de pensar bastante reduzida.
Qual é o problema de ter a mente um pouco mais aberta? Eu profundamente não sei. E se alguém puder me dar uma resposta plausível e bem fundamentada que me mostre que ter a cabeça fechada é salutar, eu prometo tentar mudar de ideia.
Há um poeta brasileiro fantástico que fica à margem de muitas discussões no âmbito literário. Seu nome é Augusto dos Anjos. Em determinados meios, tacham-no de difícil, meio louco, problemático... Por acharem complicado lidar com aquilo que julgam ser uma poética científica, deixam-no de escanteio. O que eu acho disso? Equivocado.
Apesar de haver muita gente boa no âmbito da crítica literária apontando certos caracteres que vão além da forma e dos vocábulos cientificistas na poesia de Augusto dos Anjos, muitos ainda preferem o velho estudo estruturalista que mata a interpretação e dizima qualquer vontade maior de pesquisa, tudo isso tão-somente para que não se mexa com estudos de maior complexidade ou com coisas novas.
Falando em estruturalismo, em A literatura em perigo, Tzvetan Todorov, grande teórico da literatura, o pai dos estudos estruturalistas, teve de chamar atenção de seus discípulos que, de certa forma, acabaram por reduzir a literatura a interpretações sem alma.
Em seu livro de 2009, Todorov chama atenção para um problema que faceamos hoje: a questão da apreciação da literatura e da sua redução, fruto da dinâmica presente nas escolas e também nas universidades. O ponto fulcral nessa problemática não é a obra. Não é a linguagem científica, os neologismos, as inversões ou qualquer outro elemento presente em diversas obras que dificultam o acesso do público e mesmo a vontade da pesquisa independente da literatura nos dias de hoje. Não é a complexidade do objeto literário moderno, como muitos poderiam supor, mas sim a forma como os acadêmicos ditam o que deve ser feito com uma dada obra literária.
Nesse livro de Todorov, o teórico admite que a literatura está em perigo devido à forma simplificadora e castradora que o ensino de literatura vem sendo conduzido, tanto nas universidades quanto nas escolas em nossos dias. Em outras palavras, as críticas e censuras de Tzvetan Todorov são voltadas, sobretudo, aos professores, às universidades, aos acadêmicos e às escolas que preferem ensinar métodos literários arcaicos ao invés de focarem seus esforços em ajudar o estudante e, de certo modo, as pessoas em geral a construírem uma reflexão mais genuína sobre as obras literárias.
Na verdade, observa-se em A literatura em perigo um juízo claro quanto às análises metodológicas que se centram somente no texto, esquecendo-se da ligação que uma dada obra pode ter com outras áreas do conhecimento e, sobretudo, com a vida de quem toma contato com a obra. De fato, sabe-se que a literatura mostra-se auto-referente em inúmeros momentos, mas é necessário frisar que mais do que isso ela está de um modo muito particular ligada também à existência dos sujeitos e, por essa razão, possui um significado que vai além do que as correntes teóricas e críticas usadas à exaustão podem alcançar.
É fato que, ao longo dos anos 70 em diante, o Estruturalismo e as correntes formalistas acabaram se impondo como modelo dominante na interpretação literária dentro das instituições de ensino. Você que fale de uma poesia e se esqueça de falar de suas sílabas e de seus versos para ver o que acontece... Brincadeiras à parte, creio mesmo que é importante assinalar que muito daquilo que os professores ensinam e propagam hoje nas universidades e escolas apenas distanciam os alunos de uma significação real das obras e do diálogo com o mundo no qual eles vivem. Como diz Todorov, “na escola, não aprendemos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos”.
A literatura, realmente, está em perigo porque, dentro dos ambientes em que ela deveria ser vista de uma forma mais significativa, ela é, simplesmente, reduzida a comentários muitas vezes obscuros e sem significação para a grande maioria dos alunos. O perigo iminente, na verdade, é o de a literatura tornar-se apenas um reduto para discussões de teorias que muitas vezes não possuem o menor significado para aqueles que com elas entram em contato. Na verdade, o que é importante nesse contexto é que os professores fiquem cientes de que é necessário mostrar algo mais significativo para os alunos nas escolas e nas universidades. A disciplina de literatura não deve se tornar apenas um meio para que teorias e correntes críticas sejam levadas ao conhecimento dos alunos. Mais do que isso, a literatura dentro das instituições de ensino deve ser algo que os faça refletir além do universo acadêmico e escolar. Se é admitido um parentesco da arte com a vida, por que negar tal postulado entre os muros das instituições? Por que negar aos alunos e às pessoas a chance de ver o objeto estético por meio de vieses mais amplos e significativos?
Eu não faço aqui apologia ao fim do estudo com base na crítica e na teoria. Quem me conhece sabe bem que o meu foco sempre foi o estudo dessas questões mais teóricas. O problema é que há a necessidade de observar até que ponto a teoria demasiada (sobretudo as teorias canônicas) mata a observação do fenômeno literário.
Acredito que, além do subsídio crítico e teórico, para se conhecer uma obra é fundamental o contato com seu significado primordial e bruto. O contato com o objeto em si para produzir a reflexão é algo que não pode ser dispensado. É necessária uma reflexão que ultrapasse os limites propostos pelas metodologias presentes nas escolas e faculdades, para que, assim, a literatura passe a apresentar um significado real para aqueles que com ela entram em contato. Por isso, é fundamental que muitos setores da educação abram um pouco a cabecinha e pensem de modo mais lato. As discussões podem se dar no âmbito das antigas propostas teóricas? Com toda a certeza. Até porque temos muito a aprender com eles, contudo há a necessidade de não se fechar para outras abordagens. Isto é, quando seu aluno ou um amigo quiser encarar aquela obra de Graciliano Ramos ou aquele poema de Manuel Bandeira sob a égide da filosofia do complicado Heidegger ou de qualquer outro que seja, não frustre o coitado do estudante dizendo que ele está louco e que você não irá permitir tal fato pois não tem tempo de ler nada desse ou daquele autor. Em casos assim, pare e analise a questão. Saia um pouco de sua zona de conforto e se dê a oportunidade de conhecer outras coisas... É nesse sentido que certas correntes devem ser arrebentadas para que novos modos de olhar para o objeto literário surjam... As correntes críticas e teorias devem apenas ser usadas como refúgios epistemológicos, e não como colônias penais como vem acontecendo não raro em vários redutos por aí. É sério, caros amigos amantes das Letras e futuros propagadores da mesma, pensem nisso com carinho... O mundo é vasto... e as abordagens para encará-lo também.
Eu não faço aqui apologia ao fim do estudo com base na crítica e na teoria. Quem me conhece sabe bem que o meu foco sempre foi o estudo dessas questões mais teóricas. O problema é que há a necessidade de observar até que ponto a teoria demasiada (sobretudo as teorias canônicas) mata a observação do fenômeno literário.
Acredito que, além do subsídio crítico e teórico, para se conhecer uma obra é fundamental o contato com seu significado primordial e bruto. O contato com o objeto em si para produzir a reflexão é algo que não pode ser dispensado. É necessária uma reflexão que ultrapasse os limites propostos pelas metodologias presentes nas escolas e faculdades, para que, assim, a literatura passe a apresentar um significado real para aqueles que com ela entram em contato. Por isso, é fundamental que muitos setores da educação abram um pouco a cabecinha e pensem de modo mais lato. As discussões podem se dar no âmbito das antigas propostas teóricas? Com toda a certeza. Até porque temos muito a aprender com eles, contudo há a necessidade de não se fechar para outras abordagens. Isto é, quando seu aluno ou um amigo quiser encarar aquela obra de Graciliano Ramos ou aquele poema de Manuel Bandeira sob a égide da filosofia do complicado Heidegger ou de qualquer outro que seja, não frustre o coitado do estudante dizendo que ele está louco e que você não irá permitir tal fato pois não tem tempo de ler nada desse ou daquele autor. Em casos assim, pare e analise a questão. Saia um pouco de sua zona de conforto e se dê a oportunidade de conhecer outras coisas... É nesse sentido que certas correntes devem ser arrebentadas para que novos modos de olhar para o objeto literário surjam... As correntes críticas e teorias devem apenas ser usadas como refúgios epistemológicos, e não como colônias penais como vem acontecendo não raro em vários redutos por aí. É sério, caros amigos amantes das Letras e futuros propagadores da mesma, pensem nisso com carinho... O mundo é vasto... e as abordagens para encará-lo também.
P.S.: faço essa crítica aqui, mas devo fazer um senhor adendo quanto a alguns professores que muito me ensinaram na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás e no Mestrado em Estudos Literários, na Universidade Federal do Paraná. À Goiandira, com quem aprendi muito na área de Teoria; ao professor Manoel, que aceitava as minhas argumentações com base em Heidegger e Kierkegaard – que o diga a prova famosa em que tirei nota máxima, na qual eu dissertei sobre Guimarães Rosa e Clarice Lispector com base nos dois filósofos supracitados –; à professora Regina Crispin, que deu a chance ao grupo do bacharelado de apresentar um seminário grandioso sobre Drummond com base em nosso feeling; à professora de Literatura Comparada, Suzana, que nos deu a chance de conhecer obras e autores ímpares por meio de abordagens únicas; ao professor Rogério que me deu a chance de estudar e apostar nos estudos literários de cunho filosófico, sobretudo ao me dar dicas sobre Fernando Pessoa; aos professores Paulo Soethe, Marta Costa e Marilene Weinhardt (todos do mestrado na UFPR), eu só tenho a agradecer, pois eles, mesmo tendo suas correntes preferenciais, se mostraram muito receptivos quando pude expor as minhas próprias ideias. Nesse sentido fica a dica: precisamos encontrar aqueles que sabem usar da melhor forma as correntes. Há certos professores que até te prendem, mas o interessante é que, ao nos encarcerar epistemologicamente no mundo das grandes visões, eles paradoxalmente te libertam de sensíveis prisões. A essas figuras do conhecimento literário brasileiro, todo o meu carinho e admiração – sempre. Espero que meus amigos que estão no caminho acadêmico lembrem-se deles.