domingo, 27 de fevereiro de 2011

Algumas reflexões sobre Literatura

 
Há um certo tempo, venho travando uma batalha no sentido de pensar um pouco mais sobre a literatura vinculada a um estudo interdisciplinar mais estruturado. Corrigindo, eu vinha tentando pensar mais na questão da literatura vinculada à filosofia. E o que eu percebi ao longo do tempo é que há um pouco de preguiça de parte do meio acadêmico de pensar muitas vezes outside the box.
O que fica debaixo do tapete, muito mal escondido, diga-se de passagem, é que é mais fácil para a maioria trilhar caminhos que muitos já conhecem do que fazer leituras diferentes – isto é, mais profundas e complexas. Assim, não raro você acaba tendo ingratas surpresas, porque não consegue fazer certos dinossauros moverem a cabeça a fim de tentar descortinar outros horizontes. Se é preguiça, vontade de manter-se sempre no mesmo lugar, autopreservação ou se é para evitar a fadiga mesmo, como nos diz o saudoso personagem de Chaves, o carteiro Jaiminho, eu não vou saber por agora. A questão é que acho importante que não nos prendamos a uma única forma de ver o mundo. As correntes em crítica e teoria literária podem ter um papel bastante salutar na vida dos pesquisadores. Contudo, se nos prendermos demais a elas, com certeza nos fecharemos e nos veremos aprisionados e, em última instância, teremos a nossa capacidade de pensar bastante reduzida.
Qual é o problema de ter a mente um pouco mais aberta? Eu profundamente não sei. E se alguém puder me dar uma resposta plausível e bem fundamentada que me mostre que ter a cabeça fechada é salutar, eu prometo tentar mudar de ideia.
Há um poeta brasileiro fantástico que fica à margem de muitas discussões no âmbito literário. Seu nome é Augusto dos Anjos. Em determinados meios, tacham-no de difícil, meio louco, problemático... Por acharem complicado lidar com aquilo que julgam ser uma poética científica, deixam-no de escanteio. O que eu acho disso? Equivocado.
Apesar de haver muita gente boa no âmbito da crítica literária apontando certos caracteres que vão além da forma e dos vocábulos cientificistas na poesia de Augusto dos Anjos, muitos ainda preferem o velho estudo estruturalista que mata a interpretação e dizima qualquer vontade maior de pesquisa, tudo isso tão-somente para que não se mexa com estudos de maior complexidade ou com coisas novas.
Falando em estruturalismo, em A literatura em perigo, Tzvetan Todorov, grande teórico da literatura, o pai dos estudos estruturalistas, teve de chamar atenção de seus discípulos que, de certa forma, acabaram por reduzir a literatura a interpretações sem alma.
Em seu livro de 2009, Todorov chama atenção para um problema que faceamos hoje: a questão da apreciação da literatura e da sua redução, fruto da dinâmica presente nas escolas e também nas universidades. O ponto fulcral nessa problemática não é a obra. Não é a linguagem científica, os neologismos, as inversões ou qualquer outro elemento presente em diversas obras que dificultam o acesso do público e mesmo a vontade da pesquisa independente da literatura nos dias de hoje. Não é a complexidade do objeto literário moderno, como muitos poderiam supor, mas sim a forma como os acadêmicos ditam o que deve ser feito com uma dada obra literária.
Nesse livro de Todorov, o teórico admite que a literatura está em perigo devido à forma simplificadora e castradora que o ensino de literatura vem sendo conduzido, tanto nas universidades quanto nas escolas em nossos dias. Em outras palavras, as críticas e censuras de Tzvetan Todorov são voltadas, sobretudo, aos professores, às universidades, aos acadêmicos e às escolas que preferem ensinar métodos literários arcaicos ao invés de focarem seus esforços em ajudar o estudante e, de certo modo, as pessoas em geral a construírem uma reflexão mais genuína sobre as obras literárias.
Na verdade, observa-se em A literatura em perigo um juízo claro quanto às análises metodológicas que se centram somente no texto, esquecendo-se da ligação que uma dada obra pode ter com outras áreas do conhecimento e, sobretudo, com a vida de quem toma contato com a obra. De fato, sabe-se que a literatura mostra-se auto-referente em inúmeros momentos, mas é necessário frisar que mais do que isso ela está de um modo muito particular ligada também à existência dos sujeitos e, por essa razão, possui um significado que vai além do que as correntes teóricas e críticas usadas à exaustão podem alcançar.
É fato que, ao longo dos anos 70 em diante, o Estruturalismo e as correntes formalistas acabaram se impondo como modelo dominante na interpretação literária dentro das instituições de ensino. Você que fale de uma poesia e se esqueça de falar de suas sílabas e de seus versos para ver o que acontece... Brincadeiras à parte, creio mesmo que é importante assinalar que muito daquilo que os professores ensinam e propagam hoje nas universidades e escolas apenas distanciam os alunos de uma significação real das obras e do diálogo com o mundo no qual eles vivem. Como diz Todorov, “na escola, não aprendemos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos”.
A literatura, realmente, está em perigo porque, dentro dos ambientes em que ela deveria ser vista de uma forma mais significativa, ela é, simplesmente, reduzida a comentários muitas vezes obscuros e sem significação para a grande maioria dos alunos. O perigo iminente, na verdade, é o de a literatura tornar-se apenas um reduto para discussões de teorias que muitas vezes não possuem o menor significado para aqueles que com elas entram em contato. Na verdade, o que é importante nesse contexto é que os professores fiquem cientes de que é necessário mostrar algo mais significativo para os alunos nas escolas e nas universidades. A disciplina de literatura não deve se tornar apenas um meio para que teorias e correntes críticas sejam levadas ao conhecimento dos alunos. Mais do que isso, a literatura dentro das instituições de ensino deve ser algo que os faça refletir além do universo acadêmico e escolar. Se é admitido um parentesco da arte com a vida, por que negar tal postulado entre os muros das instituições? Por que negar aos alunos e às pessoas a chance de ver o objeto estético por meio de vieses mais amplos e significativos?
Eu não faço aqui apologia ao fim do estudo com base na crítica e na teoria. Quem me conhece sabe bem que o meu foco sempre foi o estudo dessas questões mais teóricas.  O problema é que há a necessidade de observar até que ponto a teoria demasiada (sobretudo as teorias canônicas) mata a observação do fenômeno literário.
Acredito que, além do subsídio crítico e teórico, para se conhecer uma obra é fundamental o contato com seu significado primordial e bruto. O contato com o objeto em si para produzir a reflexão é algo que não pode ser dispensado. É necessária uma reflexão que ultrapasse os limites propostos pelas metodologias presentes nas escolas e faculdades, para que, assim, a literatura passe a apresentar um significado real para aqueles que com ela entram em contato. Por isso, é fundamental que muitos setores da educação abram um pouco a cabecinha e pensem de modo mais lato. As discussões podem se dar no âmbito das antigas propostas teóricas? Com toda a certeza. Até porque temos muito a aprender com eles, contudo há a necessidade de não se fechar para outras abordagens. Isto é, quando seu aluno ou um amigo quiser encarar aquela obra de Graciliano Ramos ou aquele poema de Manuel Bandeira sob a égide da filosofia do complicado Heidegger ou de qualquer outro que seja, não frustre o coitado do estudante dizendo que ele está louco e que você não irá permitir tal fato pois não tem tempo de ler nada desse ou daquele autor. Em casos assim, pare e analise a questão. Saia um pouco de sua zona de conforto e se dê a oportunidade de conhecer outras coisas... É nesse sentido que certas correntes devem ser arrebentadas para que novos modos de olhar para o objeto literário surjam... As correntes críticas e teorias devem apenas ser usadas como refúgios epistemológicos, e não como colônias penais como vem acontecendo não raro em vários redutos por aí. É sério, caros amigos amantes das Letras e futuros propagadores da mesma, pensem nisso com carinho... O mundo é vasto... e as abordagens para encará-lo também.



P.S.: faço essa crítica aqui, mas devo fazer um senhor adendo quanto a alguns professores que muito me ensinaram na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás e no Mestrado em Estudos Literários, na Universidade Federal do Paraná. À Goiandira, com quem aprendi muito na área de Teoria; ao professor Manoel, que aceitava as minhas argumentações com base em Heidegger e Kierkegaard – que o diga a prova famosa em que tirei nota máxima, na qual eu dissertei sobre Guimarães Rosa e Clarice Lispector com base nos dois filósofos supracitados –; à professora Regina Crispin, que deu a chance ao grupo do bacharelado de apresentar um seminário grandioso sobre Drummond com base em nosso feeling; à professora de Literatura Comparada, Suzana, que nos deu a chance de conhecer obras e autores ímpares por meio de abordagens únicas; ao professor Rogério que me deu a chance de estudar e apostar nos estudos literários de cunho filosófico, sobretudo ao me dar dicas sobre Fernando Pessoa; aos professores Paulo Soethe, Marta Costa e Marilene Weinhardt (todos do mestrado na UFPR), eu só tenho a agradecer, pois eles, mesmo tendo suas correntes preferenciais, se mostraram muito receptivos quando pude expor as minhas próprias ideias. Nesse sentido fica a dica: precisamos encontrar aqueles que sabem usar da melhor forma as correntes. Há certos professores que até te prendem, mas o interessante é que, ao nos encarcerar epistemologicamente no mundo das grandes visões, eles paradoxalmente te libertam de sensíveis prisões. A essas figuras do conhecimento literário brasileiro, todo o meu carinho e admiração – sempre. Espero que meus amigos que estão no caminho acadêmico lembrem-se deles.



sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Hora Absurda de Fernando Pessoa...


É preciso destruir o propósito de todas as pontes,
           Vestir de alheamento as paisagens de todas as terras,
           Endireitar à força a curva dos horizontes,
           E gemer por ter de viver, como um ruído brusco de serras...

           Há tão pouca gente que ame as paisagens que não existem!...
Saber que continuará a haver o mesmo mundo amanhã --- como
         nos desalegra!...
           Que o meu ouvir o teu silêncio não seja nuvens que atristem
           O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tédio, auréola negra...
   Fernando Pessoa, Hora Absurda

 
Para aqueles que não entendem o porquê do nome deste pequeno espaço, deixo esta preciosa poesia do grande Fernando Pessoa para que possam conhecê-la. 

Se eu pudesse eleger a poesia que mais toca o meu ser, eu não hesitaria em apontar esta peça literária. Embora eu ame outras inúmeras poesias, essa do "Nando" tem algo que me faz parar e repensar (sempre) uma série de coisas. Ela sempre se renova, se atualiza e acaba por descortinar reflexões em momentos ímpares - desde que a conheci, há esse movimento (que é meu, que é dela - que pertence à gênese do objeto artístico). Às vezes, o processo é compreensível. Outras vezes, é somente estranho... Chega a ser meio absurdo - e talvez por esse tom diáfano, por essa porção de irracionalidade brilhar em um mar dotado de tantas razões, eu a tenha tão em conta... Às vezes, ela me lembra um adagio... Em outras horas, ela simplesmente me mostra a face de um eu irônico discorrendo às avessas sobre o mundo e uma espécie de alteridade... E ela é tantas outras coisas - dependendo tão-somente do jeito do nosso olhar.

A arte tem um poder epifânico nas vidas das pessoas. Ela desbrava caminhos e chega a lugares que outros elementos não conseguem transpor e, assim, revela por meios misteriosos todo um universo que muitas vezes julgamos não existir... E Hora Absurda tem esse poder na minha existência, assim como uma obra de van Gogh, uma sonata de Beethoven, uma passagem de Rilke, um adagio de Mozart, um poema de Drummond, uma reflexão de Lispector, uma frase poética de Hölderlin, uma verso filosófico de Augusto e tantas outras passagens, frases e pensamentos de tantas grandes pessoas...  

Antes de passar para a poesia em si, um detalhe: esse poema não foi criado por nenhum heterônimo. Aludindo à edição de O Eu Profundo e Outros Eus, penso que posso dizer – até que me corrijam – que essa é uma poesia do âmago do eu de profundis do mestre Pessoa.

Eis a versão original portuguesa (com toda aquela pontuação que nos é estranha  nos dias de hoje)... De qualquer modo, apreciem-na...

FERNANDO
PESSOA

           HORA ABSURDA

                                      
           O TEU SILÊNCIO é uma nau com tôdas as velas pandas...
           Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso...
           E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas
           Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraiso...

           Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte...
           O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...
           Minha idéia de ti é um cadáver que o mar traz à praia..., e
           entanto
           Tu és a tela irreal em que erro em côr a minha arte...

           Abre tôdas as portas e que o vento varra a idéia
           Que temos de que um fumo perfuma de ócio os salões...
           Minha alma é uma caverna enchida p'la maré cheia,
           E a minha idéia de te sonhar uma caravana de histriões...

           Chove ouro baço, mas não no lá-fora...É em mim...Sou a Hora,
           E a Hora é de assombros e tôda ela escombros dela...
           Na minha atenção há uma viúva pobre que nunca chora...
           No meu céu interior nunca houve uma única estrela...

           Hoje o céu é pesado como a idéia de nunca chegar a um pôrto...
           A chuva miúda é vazia...A Hora sabe a ter sido...
           Não haver qualquer coisa como leitos para as naus!...Absorto
           Em se alhear de si, teu olhar é uma praga sem sentido...

           Tôdas as minhas horas são feitas de jaspe negro,
           Minhas ânsias tôdas talhadas num mármore que não há,
           Não é alegria nem dor esta dor com que me alegro,
           E a minha bondade inversa não é nem boa nem má...

           Os feixes dos lictores abriram-se à beira dos caminhos...
           Os pendões das vitórias medievais nem chegaram às cruzadas...
           Puseram in-fólios úteis entre as pedras das barricadas...
           E a erva cresceu nas vias férreas com viços daninhos...

           Ah, como esta hora é velha!... E tôdas as naus partiram!
           Na praia só um cabo morto e uns restos de vela falam
           De longe, das horas do Sul, de onde os nossos sonhos tiram
           Aquela angústia de sonhar mais que até para si calam...

           O palácio está em ruínas... Dói ver no parque o abandono
           Da fonte sem repuxo... Ninguém ergue o olhar da estrada
           E sente saudade de si ante aquêle lugar-outono...
           Esta paisagem é um manuscrito com a frase mais bela cortada...

           A doida partiu todos os candelabros glabros,
           Sujou de humano o lago com cartas rasgadas, muitas...
           E a minha alma é aquela luz que não mais haverá nos
           candelabros...
           E que querem ao lago aziago minhas ânsias, brisas fortuitas?...

           Por que me aflijo e me enfermo?...Deitam-se nuas ao luar
           Tôdas as ninfas... Veio o sol e já tinham partido...
           O teu silêncio que me embala é a idéia de naufragar,
           E a idéia de a tua voz soar a lira dum Apolo fingido...

           Já não há caudas de pavões tôdas olhos nos jardins de outrora...
           As próprias sombras estão mais tristes...Ainda
           Há rastros de vestes de aias (parece) no chão, e ainda chora
           Um como que eco de passos pela alamêda que eis finda...

           Todos os ocasos fundiram-se na minha alma...
           As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios...
           Secou em teu olhar a idéia de te julgares calma,
           E eu ver isso em ti é um pôrto sem navios...

           Ergueram-se a um tempo todos os remos...pelo ouro das searas
           Passou uma saudade de não serem o mar...Em frente
           Ao meu trono de alheamento há gestos com pedras raras...
           Minha alma é uma lâmpada que se apagou e ainda está quente...

           Ah, e o teu silêncio é um perfil de píncaro ao sol!
           Tôdas as princesas sentiram o seio oprimido...
           Da última janela do castelo só um girassol
           Se vê, e o sonhar que há outros põe brumas no nosso sentido...

           Sermos, e não sermos mais!... Ó leões nascidos na jaula!...
           Repique de sinos para além, no Outro Vale... Perto?...
           Arde o colégio e uma criança ficou fechada na aula...
           Por que não há de ser o Norte e Sul?... O que está descoberto?...

           E eu deliro... De repente pauso no que penso...Fito-te...
           E o teu silêncio é uma cegueira minha...Fito-te e sonho...
           Há coisas rubras e cobras no modo como medito-te,
           E a tua idéia sabe à lembrança de um sabor de medonho...

           Para que não ter por ti desprêzo? Por que não perdê-lo?...
           Ah, deixa que eu te ignore...O teu silêncio é um leque ---
           Um leque fechado, um leque que aberto seria tão belo, tão belo,
           Mas mais belo é não o abrir, para que a Hora não peque...

           Gelaram tôdas as mãos cruzadas sôbre todos os peitos....
           Murcharam mais flôres do que as que havia no jardim...
           O meu amar-te é uma catedral de silêncio eleitos,
           E os meus sonhos uma escada sem princípio mas com fim...

           Alguém vai entrar pela porta...Sente-se o ar sorrir...
           Tecedeiras viúvas gozam as mortalhas de virgens que tecem...
           Ah, o teu tédio é uma estátua de uma mulher que há de vir,
           O perfume que os crisântemos teriam, se o tivessem...

           É preciso destruir o propósito de tôdas as pontes,
           Vestir de alheamento as paisagens de tôdas as terras,
           Endireitar à fôrça a curva dos horizontes,
           E gemer por ter de viver, como um ruído brusco de serras...

           Há tão pouca gente que ame as paisagens que não existem!...
           Saber que continuará a haver o mesmo mundo amanhã --- como
           nos desalegra!...
           Que o meu ouvir o teu silêncio não seja nuvens que atristem
           O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tédio, auréola negra...

           Suave, como ter mãe e irmãs, a tarde rica desce...
           Não chove já, e o vasto céu é um grande sorriso imperfeito...
           A minha consciência de ter consciência de ti é uma prece,
           E o meu saber-te a sorrir é uma flor murcha a meu peito...

           Ah, se fôssemos duas figuras num longínquo vitral!...
           Ah, se fôssemos as duas côres de uma bandeira de glória!...
           Estátua acéfala posta a um canto, poeirenta pia batismal,
           Pendão de vencidos tendo escrito ao centro êste lema ---  Vitória!

           O que é que me tortura?... Se até a tua face calma
           Só me enche de tédios e de ópios de ócios medonhos...
           Não sei...Eu sou um doido que estranha a sua própria alma...
           Eu fui amado em efígie num país para além dos sonhos...

                                                                           4-7-1913
     

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Pinceladas breves sobre a vida de um gênio :: Vincent van Gogh

Autorretrato com o chapéu de palha (Paris 1887)
"Experimento uma terrível clareza em momentos em que a natureza é tão linda. Perco a consciência de mim mesmo e os quadros vêm como em sonho.” Vincent Van Gogh

"Criar arte queria dizer para ele não menos que pintar a vida; não a mera realidade, mas sim o princípio da força vital. Sofreu neste mundo e nele se dilacerou – e criou com a sua arte um mundo próprio e novo, colorido e movimentado que contém tudo o que ele sabia da existência." Ingo F. Walther
Cypresses (Saint-Rémy 1889)


O amarelo forte dos grandes trigais europeus e dos vivazes girassóis ou mesmo dos sujos girassóis... Ainda sem fugir à cor, há o amarelo radiante do sol, dos belos e muitos sóis... Os altos ciprestes em contraste com o azul ou, como ele dizia em suas cartas, “dentro do azul”... Os imponentes e belos ciprestes aos quais ele comparava a obeliscos egípcios a fulgurar nos campos... Ah, os campos exuberantes, as noites singulares e estreladas... O homem e a sua fragilidade nas minas; os homens e suas profissões; os homens e a sua importância efêmera no mundo; o homem e seu fim imediato... Os simples e pequenos objetos; as flores; os grandes pessegueiros; as oliveiras; os lírios... Os matizes orientais que o impressionaram e suscitaram a imitação, que no fim foram além do objeto original – o descarte da mimese clássica pela interiorização da vida fulcral interior... A natureza morta, a natureza viva que pelas mãos desse artista se torna um ideal de existência; sua própria imagem reproduzida dezenas de vezes, em autorretratos singulares e multicores...
Quantos foram os entes que tocaram Vincent Van Gogh a ponto de fazê-lo transpor o seu sentimento, sua alma para telas que nos tocam tanto? Como as imagens de nosso mundo exerceram nesse homem fascínio e obsessão? Fora a loucura?
Cafe terrace on the Place du Forum, Arles, at night




Como as imagens de seu mundo transmutado em telas conseguiram e conseguem gritar tão alto? Que honestidade, brutalidade e visceralidade se escondem sob suas pinceladas enfurecidas e angustiantes? Como esse artista conseguiu transpor o que era visto no mundo dos fenômenos e sentido em seu ser para um novo mundo esculpido por meio da arte em suas obras? Como enxergar tudo isso e não se admirar?
Japonaiseire: Bridge in the Rain (1887)
Responder perguntas sobre a natureza da arte, sua criação, sua vida é algo que talvez jamais saibamos fazer de modo satisfatório, embora procuremos sempre bater nessas teclas. O fato é que a natureza de grandes artistas, a vida de grandes obras nos toca e, como crianças curiosas que ainda somos, tentamos sempre formular a pergunta sobre o porquê de tudo isso. O porquê, embora seja pequeno em composição vocabular, é vasto quando tentamos descortiná-lo... Suas ramificações também. Elas levam a histórias que nos surpreendem e nos ensinam – fazendo suscitar mais perguntas, pequenos móveis propulsores de questões.
Sem dúvida, van Gogh, pra mim e para um bom número de pessoas, é um suscitador de dúvidas e de admiração. Ao ser tocado por algo que não podemos saber o que de fato é, van Gogh nos tocou com suas telas, com o seu modo de apreender a realidade, e só nos resta a posição de observadores, muitas vezes questionadores, admirados de sua obra artística, extasiados com sua riqueza interior.
Vincent foi, incontestavelmente, uma grande mãe de entes: trouxe à luz mundos, pessoas, sóis, naturezas diversas que nos fazem parar e desligar das coisas do mundo. Sua verdade emergia através de suas pinceladas. Através delas, van Gogh nos leva a um penhasco e mostra-nos a vida e nos faz um convite ao conhecimento. Mais do que isso, faz-nos várias perguntas sobre o mundo, o outro e nós mesmos: é o convite ao conhecer; é a maiêutica; a epifania de um mundo novo.

Old tower in the field (Nuenen 1884)
Não faço ideia de quando foi que uma dada obra de Vincent conseguiu atrair minha atenção pela primeira vez – na verdade, não sei dizer de fato nem qual foi. Costumo acreditar que tal fato ocorreu há mais ou menos 10 anos. Sei que naquela época me tornei apenas uma das muitas admiradoras das telas Starry Night, Cafe Terrace (...) e, como não podia deixar de ser, de alguns dos muitos girassóis pintados por esse holandês que foi bastante incompreendido em seu tempo.
Still life vase with 15 sunflowers (Arles 1888)
Blossoming Almond Tree (Saint-Rémy 1890)
Particularmente, eu achava o artista Van Gogh e as poucas obras que eu conhecia fantásticos, mas nunca tinha pesquisado mais a fundo, até o dia em que eu conheci o site www.vangoghgallery.com Eu não sei exatamente, mas creio que fiquei uns 3 dias apenas olhando alguns materiais que ele havia pintado durante a sua vida, material este ricamente disponibilizado pelo website (vale a pena conferir com o tempo necessário). Foi ali que eu pude conhecer mais do trabalho desse artista genial. Depois, com o tempo, eu fui pesquisando em outras obras que foram fazendo com que eu, dia a dia, ficasse mais maravilhada com a arte produzida por ele.

Retrato de Père Tanguy (Paris 1886/87)
A fim de dar uma contribuição, trazendo a algumas pessoas um pouco da história de Vincent, resolvi elaborar um texto para falar um pouco da vida dele. Não há nenhum tipo de objetivo acadêmico aqui: o único elemento que me guia nesse instante é a vontade de apresentar um pouco da vida desse gênio holandês que eu, realmente, admiro. É bem verdade que, ultimamente, tenho tido vontade de dedicar uma parte de meu tempo para pensar na questão do gênio artístico na visão schopenhauerena relacionada à figura de Van Gogh. Mas isso é um trabalho para daqui um tempinho, até porque tenho de fazer isso da melhor forma.
Voltando ao objetivo que rege esse texto, vou deixar nas próximas linhas algumas informações sobre a vida desse pintor que muito me fascina. É como eu disse em um textinho anterior, onde eu mostrava algumas Caveiras pintadas por ele: a questão é que van Gogh é muito mais que um pintor de céus estrelados e exuberantes girassóis; mais do que isso, sua vida vai muito além de um episódio de loucura e de uma orelha cortada...
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Vincent Van Gogh (1866)
Vincent Van Gogh nasceu no dia 30 de março de 1853, em Zundert, uma aldeia no Sul dos Países Baixos (Holanda). Desde cedo, o pequeno van Gogh dava mostras de seu caráter pouco sociável. Gostava de passar horas olhando a natureza e apreciava caminhar sozinho pelos campos. Nenhum de seus cinco irmãos jamais o acompanhava – com exceção do jovem Theodore, mais novo que Vincent quatro anos, que desde muito jovem se torna seu grande amigo e confidente.
Theodore (irmão e amigo de Vincent Van Gogh)
A história de Vincent e Theo é bela; a amizade desses dois irmãos é algo que vale a pena conhecer a qualquer tempo, e tal fato pode se dar através da leitura da longa correspondência que os dois estabeleceram até a morte de van Gogh. Nesse sentido, vale a pena ler o livro Cartas a Theo (editado no Brasil pela Editora Martins Claret) e também a correspondência de Theo para van Gogh.
Eu imagino que esse textinho vai ficar grandinho... rsrs Acho que é necessário falar sobre algumas passagens da vida de van Gogh para que se conheça e entenda certas peculiaridades da vida desse artista.
A questão é que há muita gente que gosta de rotulá-lo simplesmente como o “pintor que cortou sua própria orelha”. Mas um fato, por mais estranho ou mesmo singular que o seja, não faz nenhum homem integralmente. Todo ser tem sua história: e ela -- nós bem o sabemos -- sempre tem muitos fios dispersos...  Junto com outros elementos singulares, esses fios ditosos constroem tecidos essenciais para que compreendamos o todo... São as linhas e os pequenos pontos que, amalgamados, nos servem de veículo para um entendimento maior... E a história de Vincent está afinada a essa ideia... Há muito lirismo escondido em passagens pequeninas da vida sofrida desse gênio... Há muita beleza nos tijolos complexos que constroem a existência desse pintor de mundos multicores... Há muita singularidade que emerge da razão em cinzas, manifestada bela e incontestemente em suas telas... sua iconoclastia às avessas -- tão criadora.  E tudo isso, em um mundo muitas vezes tão frio, é importante ser conhecido.
***

Starry Night over the Rhone (Arles 1888)
A arte sempre fez parte da educação do jovem Vincent, pois vários dos seus tios eram comerciantes de arte. Nesse sentido, não é de se estranhar que, desde cedo, Van Gogh comece a trabalhar em uma galeria de arte. Foi em Bruxelas, na Casa Goupil, que ele começou aos 16 anos a trabalhar e a ter contato direto com a arte. Logo começou a formar sua própria opinião sobre tudo que estava ali. Através de intensas leituras e muitas visitas a museus, vendo o que era feito naquele momento (não podemos esquecer que a Europa naquele tempo era um verdadeiro caldeirão cultural, com movimentos e artistas surgindo por cada poro das cidades), van Gogh foi se dando conta do universo artístico de um modo muito particular.
Com 20 anos, Vincent é enviado para uma sucursal da galeria Goupil em Londres e ali sua vocação se desabrocha. Inúmeras horas são passadas em frente ao rio Tâmisa, e centenas de esboços são construídos, algo que, por incrível que pareça, entristecia o jovem van Gogh, que não conseguia identificar nada de concreto em seus rascunhos e tentativas.
 É por essa época, dizem os especialistas na obra de van Gogh, que começa a surgir suas primeiras inquietações e angústias. O sentimento de inquietação e desamparo tomam conta de van Gogh e logo tudo isso desemboca em sua situação profissional, fazendo com que o jovem seja despedido de seu emprego. A partir desse momento, a história de van Gogh começa a apresentar inúmeros baixos. Isso porque os altos, na vida desse artista, para ser bem franca, foram bem poucos. O fato é que van Gogh decide que quer ser um pintor, mas ele não podia deixar de ganhar a vida. Diante disso, como conciliar as duas coisas? Dedicar-se somente à arte não seria loucura? E como faria para sobreviver?
Segundo alguns estudiosos, é nesse momento que van Gogh procura um plano B, ou seja, dedicar-se à religião. Assim como seu pai, van Gogh resolve ser pastor. Contudo, sua preparação é mínima. Seu dom com oratória é inexistente, mas mesmo assim ele insiste. Despedido novamente, decide ser missionário entre os pobres mineiros de Borinage. Para tal, van Gogh vai à Universidade fazer o curso que era necessário para trabalhar nas missões. Depois de todo o seu esforço, consegue uma missão de 6 meses e, entre aqueles homens que trabalham dia a dia, noite após noite debaixo da terra, Vincent visita os doentes, os reconforta, lê para eles o Evangelho.
Os comedores de Batatas (Nuenen - 1885)
As impressões dessa época podem ser vistas em inúmeros quadros, onde o jovem retrata os trabalhadores, os camponeses. Vincent vai se mudando de uma cidade para outra, à medida que é necessário às suas missões, contudo, por mais que sua intenção seja a melhor, ele não tem o dom da pregação, e seu comportamento diferente acaba assustando outras pessoas (nessa época, van Gogh se entrega à devoção mística, passa a viver numa cabana de tábuas, dorme na terra nua, usa apenas um camisão de soldado, cuida dos doentes com tifo, despojando até das suas próprias roupas para ajudá-los). Diante da reação de várias pessoas, sua missão não é mais renovada e Vincent fica perdido.
É ponto patente que nessa época, em meados de 1879, Vincent passa pelo período mais sombrio de sua vida.  Na edição brasileira da obra Cartas a Theo, há um pequeno texto dos editores da obra que diz que, nessa época de sua vida, van Gogh caminhava “aqui e ali, sob o vento do outono, sob o vento do inverno. Dormia à beira dos caminhos, em celeiros, debaixo de carroças.” Vivia apenas do pouco dinheiro que seu irmão e amigo Theo enviava.
Pietà (depois de Delacroix) (1899)
Theo lhe dava forças, encorajando-o a ser o pintor que ele queria ser. Então é nessa época, apesar de todas as dificuldades, que Van Gogh resolve aceitar o seu caminho, a sua natureza, dando-nos, se assim posso dizer, a oportunidade de conhecer o seu trabalho genial e visceral. Em uma carta dessa época, Vincent expõe a Theo suas angústias, seus medos e suas esperanças. Theo, tocado pela força das palavras de Vincent, se compromete a ajudar o irmão porque confia e acredita em sua vocação para a arte. A partir daí a amizade dos dois fica ainda mais forte e a correspondência entre ambos só aumenta. Para se ter uma ideia, não se passa uma semana sem que os dois não se falem.
O bom samaritano (Depois de Delacroix) -- Saint-Remy - 1890
Vincent anda por vários lugares: Etten, Bruxelas, Paris, Haia, Antuérpia, e passa a pintar e desenhar sem parar. É tocante ver que muitas vezes Vincent preferia não comer para ter algo para comprar suas telas e suas tintas. O dinheiro era muito curto, mas ele conseguia se administrar para literalmente alimentar-se de arte. Trabalhando constante e freneticamente, van Gogh vai se desenvolvendo cada vez mais. Em suas viagens, ele busca com sofreguidão o aprendizado de novas técnicas: em Paris, por exemplo, passa seu tempo nos museus, especialmente no Louvre. Lá, procura se exercitar fazendo cópias de quadros de Delacroix, à sua maneira - é claro. Depois começa a trabalhar ao ar livre, à maneira dos impressionistas que ele tanto admirava. É nessa época que van Gogh conhece Gauguin, que ficaria célebre tanto por sua obra, mas também pelo famoso incidente da orelha.

Texto jornalístico da época sobre o incidente da orelha
Particularmente, eu já ouvi falar de várias versões do incidente da orelha. Uns falam em uma prostituta como um dos móveis propulsores do acontecimento. Há até um texto escrito pelo próprio Gauguin a respeito do fato: “Incidente da Automutilação de Van Gogh”. Mas o ponto comum em todas essas “lendas” é que van Gogh desejava que Gauguin se instalasse perto dele e que ambos fundissem seus estúdios – isso porque um dos maiores desejos de van Gogh era a criação de um atelier em que grandes nomes da pintura se reunissem.
Gauguin demora a aceitar, mas depois se muda para Arles. Contudo, ambos os pintores são muito diferentes um do outro. Suas opiniões são diferentes, seus anseios, suas tendências estéticas, tudo os separa. Vincent, que já tinha seus problemas com depressão, crises de angústia e até paranoia, na noite de natal do ano de 1888, se lança sobre Gauguin com uma navalha, mas sai correndo quando o pintor francês se volta contra ele. Ao voltar para casa, Vincent corta uma orelha e a entrega (segundo uma das versões) para o policial que vem à sua casa logo após o incidente.
Depois desse episódio, Vincent é conduzido a um hospício. Lá, suas crises oscilam, entre idas e vindas. Por perceber em si a falta de constância no que tange à sua saúde mental, Vincent acaba se dando conta que o melhor é se manter internado, até porque as pessoas que moravam perto dele não queriam-no por perto (há até, para fortalecer essa resolução, a criação de um abaixo-assinado por parte de sua vizinhança para mantê-lo internado).
O famoso Starry Night :: Noite estrelada (Saint-Rémy 1889)
Apesar de estar doente, van Gogh não deixa de trabalhar em sua arte, que a partir dali começa a apresentar contornos expressionistas. Vincent, em Saint-Rémy, passa momentos de dor, de desespero, de melancolia, de calma – e em nenhum deles para de pintar. Em janeiro de 1890 um fato curioso ocorre: um crítico de arte publica, no Mercure de France, um estudo consagrado sobre sua pintura (pela primeira vez a arte de Vincent aparece em uma publicação). No mês seguinte, van Gogh recebe uma carta de Theo: este diz que um quadro havia sido vendido: O vinhedo vermelho (o primeiro e o único quadro vendido enquanto estava vivo).
O vinhedo vermelho (o único quadro que foi vendido durante a vida de van Gogh)

Vincent's bedroom in Arles (1888)
The church at Auvers (Auvers-sur-Oise 1890)


Em maio de 1890, Van Gogh sai de Saint-Rémy e fica feliz por poder encontrar Theo e sua família. Na casa do irmão, revê seus quadros (que estão por toda a parte – até mesmo debaixo de móveis) e é visitado por alguns amigos. Posteriormente, Vincent se instala em uma pensão.
Os dias passam, e suas companheiras, angústia e melancolia, voltam a ter com ele... Diante da presença desagradável, Vincent que já estava cansado de todas as suas crises, numa tarde resolve ir para o campo. Estava atirando nos corvos, quando, na presença de suas desditosas companheiras e já sentindo que uma nova crise se aproximava, atira em seu próprio coração. Contudo, o tiro desvia e se aloja em sua virilha. Van Gogh não fala sobre o acontecido com ninguém e volta para a pensão. Mais tarde, algumas pessoas que estavam no pensionato, algumas delas encarregadas pelo médico de Vincent de cuidar dele, percebendo a sua ausência, resolvem ir atrás dele: encontram-no prostrado e sangrando dentro do quarto. O Dr. Gachet, seu médico e amigo de Saint-Rémy, examina-o e constata que é impossível tirar a bala. Solicitado a dar o endereço de seu irmão, van Gogh não o faz. E só no outro dia é que Theo é avisado do acontecimento.
Wheat field with crows (o último quadro)
Theo não se conforma com a possibilidade da morte próxima do irmão, mas não há mais o que fazer – van Gogh não deseja mais viver. Nesse dia, van Gogh conversa o dia inteiro com o irmão em holandês. À noite, Theo deita-se ao lado dele, velando-o. À uma da manhã, do dia 29 de julho, Vincent murmura “quero ir embora”, e morre.
Depois da morte de seu irmão, Theo ainda organiza uma grande exposição com algumas de suas obras. Contudo, atingido por uma paralisia, Theo é transportado para a Holanda e morre, em janeiro de 1891 -- como pode se ver, apenas alguns meses depois do falecimento de seu irmão. Muitos falam que Theo morreu devido à tristeza por ter perdido seu melhor amigo. Os irmãos cuja amizade tornou-se legendária repousam lado a lado em Auvers-sur-Oise.
Os túmulos de Vincent e Theo, em Auvers-sur-Oise, França

A viúva de Theo, com certeza, é uma das pessoas responsáveis pela arte de van Gogh ter sido divulgada. Após a morte de seu marido, ela passou a organizar exposições, mesmo com pessoas falando para ela destruir “o lixo” deixado por Vincent. Com as exposições acontecendo, algumas pessoas já começam, com o passar dos anos, a comentar a obra de van Gogh. Em 1896, seminários são conduzidos em uma universidade da Holanda acerca da obra de Vincent. Assim, com pequenas exposições a obra do mestre do amarelo, laranja, verde e azul vai sendo conhecida Europa afora.
Entrance to the Public Park in Arles (Arles 1888)
Retrato do Carteiro Joseph Roulin (Arles - 1888)
É interessante para fechar essa reflexão sobre a vida de Van Gogh trazer à tona o ano de 1946, quando uma exposição itinerante foi feita percorrendo a Europa, suscitando um enorme entusiasmo. Para se ter uma ideia, em Estocolmo, foram mais de 165 mil visitantes. Em Amsterdam, foram mais de 300 mil espectadores; 500 mil pessoas na Bélgica. No ano seguinte, em Paris, o público, dia após dia, fazia filas gigantescas a fim de apreciar a obra de Vincent. Mais de 150 mil pessoas vão ao Tate, em Londres, apreciar as pinceladas nervosas de van Gogh nesse mesmo ano. Nessa mesma época, uma exposição é organizada em Nova Iorque, para um público de mais de 300 mil. Depois, a exposição segue para Chicago. Em 1953, o centenário do nascimento de van Gogh é celebrado nos países baixos. Congressos, seminários, palestras são realizados a fim de se discutir a arte de Vincent. Em Haia, são expostas mais de 280 obras de Van Gogh.
Wheat Field with Cypress (Saint-Rémy 1889)
No ano de 1958, a obra Jardim Público de Arles é vendida por 132 mil libras. Anos mais tarde, em 1990, Van Gogh, que durante sua vida teve apenas um quadro vendido e que passou todas as privações possíveis para poder comprar suas tintas e suas telas com dinheiro que seu irmão conseguia enviar, foi o objeto da maior transação no mercado de arte até então: um dos retratos do Dr. Gachet foi vendido para um milionário japonês por 82,5 milhões de dólares. Depois da morte do japonês, o quadro desapareceu. Reza a lenda que o quadro foi cremado junto com seu dono.
Retrato do Dr. Gachet (Auvers-sur-Oise 1890)

Vista da praia de Scheveningen (Scheveningen 1882)
Meu "textinho" poderia abordar ou

Japonaiserie: Oiran (after Kesaï Eisen) - Paris, 1887

tras questões (eu nem falei da vida complicadíssima de Vincent no campo amoroso, por exemplo), aliás, penso que vai ficar por conta da curiosidade  de quem gostou da história de Vincent ir atrás de mais coisas. De qualquer modo, espero ao menos ter contribuído em algo com essas linhas. Fazer com que uma pulguinha se levante e suscite uma dúvida era o objetivo dessa junção de palavras aqui presente. E se tal coisa acontecer, outras pessoas terão a chance de conhecer muito mais desse fabuloso artista, indo atrás de outras informações.
Então, é isso: conheçam-no e, sei lá, procurem conhecer outros. Vale a pena ver como certas pessoas lidam com o nosso mundo por meio das canetas, dos pincéis, dos instrumentos musicais e de tantos outros pequenos objetos. Elas podem nos inspirar muito. A arte é inspiradora...