terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Respeito, Entendimento, Esclarecimento e Tolerância

Em meados do século XVI, o grande filósofo John Locke escreveu uma carta sobre a tolerância. Seu contexto histórico era outro, sua realidade era diferente da nossa, o Zeitgeist daquele instante tinha características bem distintas do momento que vivemos hoje, mas uma coisa que ali estava presente ainda se mantém nos dias de hoje: a natureza humana que, mesmo com a evolução de alguns bons anos, mantém certos caracteres, de certo modo, impassíveis ano após ano, século após século.

É inegável que a humanidade nesses belos 5 séculos passou por mudanças. Foram mudanças em diversos âmbitos. Mudanças culturais, mudanças econômicas, mudanças científicas que transformaram de diversas formas a nossa vida. Entretanto, ainda vemos certos comportamentos permanecerem rijos.

Resgatando o tema de Locke, manifestado em sua carta supracitada, acredito que falar sobre a tolerância, seja trazendo o contexto do século XVI, seja pensando nas mazelas que ainda vemos na nossa sociedade, é algo sempre atual e pertinente, até porque, ao que parece, a humanidade parece precisar ser recorrentemente relembrada sobre o que é o respeito às diferenças, lembrada acerca da tolerância – ente fundamental para a boa convivência em qualquer lugar do globo.

Em Carta acerca da Tolerância, o filósofo inglês John Locke nos mostra uma questão extremamente importante e que, infelizmente, é pouco trabalhada: ninguém impõe a tolerância. Locke fala do papel do magistrado e da impossibilidade deste impor através de decretos e lei a aceitação de determinados temas. Preso de certo modo a uma questão bastante importante da sua época – a religião –, o filósofo chama atenção para o fato de que é necessário respeitar as crenças dos outros sem forçar ninguém a partilhar nada sem sua vontade.

A questão fundamental é que pensar em tolerância é trazer ao cerne das discussões o esclarecimento. E o esclarecimento não é algo que se imputa a alguém através da força ou da lei. A tolerância nasce do entendimento. Ela é um processo racional que envolve, se assim posso dizer, a alteridade. É um processo de se colocar no lugar do outro e entendê-lo. E tal processo não pode ser imposto.

Em uma passagem que serve bastante para ilustrar o que estou pensando, Locke diz “confisque os bens dos homens, aprisione e torture o seu corpo: tais castigos serão em vão, se se esperar que eles façam mudar seus julgamentos internos acerca das coisas”.  O fato é que a tolerância, o respeito aos outros seres e o esclarecimento não se apresentam de modo algum quando há a presença da força e da irracionalidade. Para existir o respeito, é necessária uma boa dose de esclarecimento. E talvez seja isso que esteja faltando às pessoas quando elas discriminam, desrespeitam, humilham e ferem outros seres. O que é o bullying nas escolas e em outros tantos recintos e ambientes senão a falta de respeito? O que é o preconceito senão a falta de tolerância àquilo que é diferente? O que é a intolerância religiosa, cultural, pessoal senão a falta de coragem de se colocar na posição do outro e entender outro ponto de vista além do nosso?

As limitações que temos nos impedem de respeitar os outros seres humanos. A ignorância pura e simples nos prende a pequenos mundos egoístas e insensíveis, nos quais, muitas vezes, vivemos, achando que somos os maiorais. Os nossos pré-julgamentos, nossas opiniões infundadas e nossa falta de saber não nos permitem ver o lado do outro – consequentemente, respeitar ideias, outros modos de ver a vida ou distintas formas de lidar com as coisas se torna, para nós, algo impensável e inconcebível. Por tudo isso e por muito mais, acredito que a falta de esclarecimento é o pior mal que existe em nosso globo.

Voltando a Locke e a suas reflexões, nessa mesma carta vemos que o filósofo inglês chama atenção para o fato de que o esclarecimento, de modo algum, pode advir do sofrimento corpóreo. Indo um pouco mais além, acho interessante pensar (ainda que muito superficialmente) na questão do movimento Iluminista, que era designado pela palavra Aufklärung, que em alemão quer dizer esclarecimento.

O movimento iluminista tinha como postulado a ideia de que era necessário que o homem buscasse conhecer. Era necessário o movimento de sair de si mesmo para conhecer o mundo e as coisas, usando a sua própria razão – e não se sujeitando àquilo que os outros impunham. Pensando sub-repticiamente nessas ideias, penso que, para acender certas luzes e ver com maior nitidez as coisas que estão diante de nós, precisamos sair de nossos lugares, fazer certos movimentos e buscar uma certa “iluminação".

O fato é que, se quisermos pessoas mais tolerantes, não adianta forçarmos, criarmos leis, criarmos punições. Para termos pessoas mais tolerantes, precisamos de pessoas mais esclarecidas. Talvez, seja necessário desenterrar os princípios dessa Aufklärung e chamar atenção das pessoas de algum modo. Contudo, não basta jogar a responsabilidade apenas nos ombros de pais, mães, tios, tias, avós, professores, políticos. Todos os seres humanos, independente de formação, de classe social, de crença, de valores, precisam de mais conhecimento. É vital: para uma verdadeira era de Luzes, precisamos de pessoas mais esclarecidas.

Enquanto eu escrevo essas últimas linhas, fico pensando no paradoxo que envolve a questão da intolerância: ao mesmo tempo em que o remédio parece ser tão simples, o tratamento é tão difícil de ser posto em prática (novamente a velha querela da teoria e da práxis). Por isso, que chegue logo o tempo em que manifestos tomem forma e se tornem parte de nossa vida comum... Que discursos sobre o Esclarecimento sejam incorporados à vivência de todos e que o sapere aude resgatado por Kant, no Iluminismo, torne-se uma lei da consciência de cada um, para que as pessoas respeitem e entendam mais os outros seres. Que a intolerância seja solapada pelo saber de uma consciência coletiva mais esclarecida.
  
Sapere aude (ouse conhecer)! Tenha coragem para fazer uso da tua própria razão!

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